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Uma dimensão diferente

A descrição do Universo estaria incompleta sem uma dimensão extra, aparentemente diferente daquelas que formam nosso espaço físico comum, o qual é caracterizado pela geometria de três eixos perpendiculares entre si. Essa dimensão adicional é o tempo, que participa, junto com o espaço, na formação da estrutura que serve de palco para os acontecimentos.

Sentimos que vivemos em um eterno presente, enquanto ficamos perplexos com a imutabilidade do passado e a variabilidade do futuro. O que aconteceu ontem parece estar somente em nossas lembranças. O que virá amanhã é ainda um mistério, até que aquele amanhã passe a ser nosso presente. Isso nos dá a sensação de que realizamos um movimento suave sobre um eixo perpendicular àqueles três que representam nossa posição no espaço. Tudo parece ocorrer como se viajássemos através de uma estrutura de quatro dimensões, percebendo somente uma única fatia tridimensional dela a cada instante.

Enquanto acreditamos que podemos nos movimentar de um modo livre através das três dimensões espaciais, sentimos que o movimento através do tempo nos é imposto e parece nos transportar em direção ao futuro com uma "velocidade" fixa. Assim, o fluxo do tempo parece ser único, independente de qualquer coisa. Se sincronizássemos dois relógios ideais, por exemplo, eles jamais deveriam mostrar horários diferentes. É o que a intuição nos diz e, por isso, essa idéia era a que predominava anteriormente na Física.

Este modo de pensar nos levou a uma situação embaraçosa, a partir da qual foi necessário rever conceitos profundamente arraigados, que imaginávamos intocáveis. A razão para a suspeita de que algo estava errado em nossa concepção foi a descoberta surpreendente de que a velocidade da luz no vácuo é, obrigatoriamente, uma constante para todos os observadores em movimento retilíneo e uniforme (MRU), como muitos experimentos realizados já comprovaram. Além disso, essa velocidade mostrou-se como um limite máximo para as velocidades no Universo.

Pense bem sobre a estranheza desse fato físico: se a velocidade da luz é sempre igual para todos aqueles observadores, então não importa a velocidade com que alguém se afasta em linha reta à frente de um raio de luz que o persegue, porque essa luz vai sempre chegar a ele com a mesma velocidade que chegaria se ele estivesse estacionário. Igualmente, se um observador vai velozmente de encontro a um raio de luz que vem em sua direção, ele acaba medindo aquela mesma velocidade fixa da luz, quando ela o atingir. Esse valor é, exatamente, 299.792,458 km/s e, por mais que tentemos mudá-lo, não o conseguiremos.

Para resolver essa questão difícil e aparentemente paradoxal, Albert Einstein apresentou sua Teoria da Relatividade, em 1905. Baseando-se na constância da velocidade da luz e na suposição de que as leis físicas devem ser as mesmas para todos os observadores em MRU (como demonstram ser), ele desenvolveu todo um esquema para explicar aquele estranho resultado experimental. O que surgiu foi um modo mais completo e preciso de se entender o Universo, em nítida contradição com nossas idéias antigas (e erradas) sobre o espaço e o tempo.

No modo moderno de se ver as coisas, existe uma ligação profunda entre o espaço e o tempo. Estes são entendidos agora como aspectos diferentes de uma realidade mais geral, na qual essas duas grandezas se complementam e se fundem em um contínuo de quatro dimensões, chamado espaço-tempo. Nosso modo anterior de tratar os fenômenos físicos mostrou-se somente como uma ótima aproximação, quando as velocidades envolvidas são baixas se comparadas à da luz. Mas, ainda que os efeitos previstos pela Teoria da Relatividade se tornem evidentes somente a altas velocidades, eles não deixam dúvidas de que não podemos mais considerar espaço e tempo como entidades totalmente distintas e independentes.

Uma das evidências da ligação entre essas duas grandezas aparentemente tão diferentes é o fato de que elas podem ser convertidas uma na outra, através de equações matemáticas relativamente simples em fenômenos igualmente simples, como é o caso do movimento. Certos efeitos, praticamente inexistentes nos experimentos realizados em nosso mundo de velocidades baixas, começam a surgir quando a velocidade aumenta para uma fração substancial da velocidade da luz. Por exemplo, para um observador considerado parado, o comprimento de um objeto em movimento se reduz na direção do deslocamento, enquanto o fluxo do tempo é mais lento para o viajante. Relógios perfeitos podem não ficar mais sincronizados, porque cada um vai fornecer indicações de acordo com seu próprio fluxo do tempo. Cada um terá seu ritmo particular, que é dependente de seu movimento.

Outro efeito interessante é que a massa de um objeto em movimento aumenta com sua velocidade, na opinião de um observador estacionário. A descoberta de que energia e massa são equivalentes (E=mc2) explica o porquê de ser a velocidade da luz um limite natural. Com o aumento da velocidade de um objeto, sua energia (cinética) aumenta e acrescenta massa a ele. Quanto mais veloz for o objeto, mais massa (e inércia) ele terá e mais difícil será aumentar sua velocidade. Para atingir a velocidade da luz, um objeto exigiria que fosse fornecida a ele uma quantidade infinita de energia.

Nada pode correr mais do que um raio de luz no vácuo, deixando claro que nosso movimento pelo espaço não é inteiramente livre como pensávamos. À velocidade da luz, um corpo material teria massa infinita. O comprimento de um foguete seria reduzido a zero, enquanto os relógios dos viajantes ficariam parados (idem para os próprios viajantes), pois o tempo não passaria para eles, tudo isso na opinião de um observador considerado em repouso. Entretanto, tome muito cuidado para não pensar que exista algo como o repouso ou o movimento absolutos, pois eles são uma ficção. Na opinião do viajante, quem viaja é o observador que consideramos em repouso, sendo este quem adquire massa infinita, quem encolhe até zero e para quem o tempo não passa. Cada observador percebe alterações sofridas pelo outro e pelo Universo em geral, mas nada nota de diferente em si mesmo, seja qual for sua velocidade.

Por mais estranho que pareça, a simultaneidade também não tem mais um significado absoluto na Física Moderna. Dois eventos que acontecem em um mesmo instante, para um observador, podem acontecer em instantes diferentes para um outro. Isto não é uma ilusão causada pelo tempo que a luz gasta para percorrer as distâncias existentes entre os eventos e os observadores. É um efeito real, que persiste após descontados os tempos de percurso dos raios de luz. Assim, o passado e o futuro perdem de fato aquela nitidez que anteriormente pensávamos que tivessem. Até mesmo a ordem cronológica dos acontecimentos (História do Universo) deixa de ter um significado único, porque também depende do ponto de vista de cada observador.

A dificuldade que temos para compreender essa mecânica está relacionada com nossos hábitos. Como nunca tivemos de lidar com esses fenômenos na experiência diária, eles nos parecem estranhos. Se a velocidade da luz fosse muito baixa, aqueles efeitos iriam se tornar evidentes. Poderíamos ter problemas até mesmo para sincronizar nossos relógios quando fizéssemos uma simples viagem de ônibus. Porém, se estivéssemos acostumados a conviver com tais efeitos, nós os consideraríamos normais e a Teoria da Relatividade teria sido desenvolvida há muito mais tempo. Foi o valor alto da velocidade da luz que escondeu de nós a verdadeira natureza do espaço e do tempo.

Quando insistimos em separar o espaço do tempo, o que obtemos são medições com resultados particulares, que dependem do observador e que, portanto, não são próprias do fenômeno observado. Ao unirmos essas duas grandezas numa estrutura quadridimensional, os fenômenos passam a mostrar sua verdadeira essência, o que eles têm de intrínseco, independente do observador. Isso nos deixa com a sensação de que existe uma realidade maior, mais completa, que é percebida por nós de um modo fragmentado, com três dimensões espaciais e uma temporal.

A Teoria da Relatividade não afirma que tudo é relativo. O que ela nos apresenta são aquelas grandezas invariáveis, que são próprias dos fenômenos e independentes da opinião divergente dos diversos observadores. Ela também nos permite calcular corretamente e converter, entre si, as medidas feitas por todos os observadores que estejam em movimento retilíneo e uniforme, a diferentes velocidades. Ela nos apresenta algo muito mais próximo do que é absoluto e verdadeiro, porque está além do filtro da interpretação individual que mascara a realidade.

Cerca de dez anos após a apresentação de sua teoria, particularizada para o movimento retilíneo e uniforme, Einstein a complementou para incluir o movimento acelerado, de velocidade variável, com trajetórias que podem ser também linhas curvas. O resultado desse enorme esforço nos deu uma explicação para a gravidade. Na Teoria da Relatividade Geral, o espaço-tempo sofre uma deformação geométrica pela presença da massa (ou energia). Essa curvatura ou torção daquela estrutura quadridimensional é percebida por nós como uma força de atração entre os objetos.

Longe da matéria, o espaço-tempo (4D) tende a se apresentar próximo de euclidiano, mas a inclusão de massas causa uma curvatura nesse contínuo, a qual se manifesta como alterações nas medidas que fazemos do espaço e do tempo. Quanto mais curva for uma região do espaço-tempo, mais ela interfere no comprimento das réguas e no ritmo dos relógios. Na presença de campos gravitacionais fortes, os comprimentos das réguas são reduzidos, enquanto o tempo passa mais lentamente, se comparados com medidas tomadas em regiões menos deformadas do espaço-tempo.

A Cosmologia moderna prefere considerar os possíveis modelos teóricos para o Universo como estruturas 4D fixas, não como espaços 3D variando no tempo. É esta a mudança de ponto de vista necessária para que as opiniões dos diferentes observadores passem a dar lugar a uma única realidade objetiva, comum a todos.

Como o contínuo 4D que representa o Universo não é euclidiano, podemos imaginar a existência de, pelo menos, uma quinta dimensão sobre a qual se possa ter a liberdade para dobrar o espaço-tempo assim concebido. Teorias mais recentes, que tentam incluir as outras forças físicas (além da gravidade) no quadro geral do Universo, têm produzido modelos mais complexos, com um maior número de dimensões, que dão mais objetividade e generalidade aos fenômenos. A meta final é uma teoria única para explicar todo o mundo físico de um modo absoluto, independente do observador.

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