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Nosso espaço tridimensional

Estamos em um universo que possui três dimensões espaciais, como nos prova o desenho de eixos perpendiculares entre si. Os objetos físicos comuns têm volume e mais liberdade de movimento do que os objetos que têm apenas área no espaço 2D em que vive nosso amigo Eck. Estrelas, planetas e luas maiores têm aqui formas que se aproximam da esfera (figura 6.1). Temos apenas cinco poliedros regulares, em vez da infinidade de polígonos regulares do espaço 2D, mas os nossos possuem uma beleza estética que faz compensar em muito o seu baixo número. As órbitas dos astros bem comportados continuam sendo linhas curvas fechadas como no universo de Eck, porque são trajetórias, mas elas podem agora estar em planos diferentes, reduzindo a ocorrência de eclipses e trânsitos. Um objeto pode passar por outro sem causar a ocultação do mais distante. Em vez de apenas uma linha curva para pisar num planeta, com comprimento dado por pi vezes o diâmetro, nosso solo se aproxima de uma superfície esférica, com área dada por pi vezes o quadrado do diâmetro. Enfim, estamos em nosso lar e achamos que o conhecemos muito bem, mas é melhor explorá-lo com mais atenção, porque os físicos nos alertam sobre uma realidade diferente.

A intuição nos diz que o Universo é infinito, porque se ele fosse uma grande bola de espaço, ela deveria estar situada dentro de outra maior, num processo sem fim. É o que pensa e afirma a maioria das pessoas. Para estas, e muitas mais, há uma certeza ou sensação inconsciente de que se pode viajar em linha reta, para sempre, em qualquer direção ou sentido que se escolha, sem jamais passar novamente por lugares já visitados. Matematicamente falando, essas características dariam ao nosso espaço uma forma que seria a análoga tridimensional de um plano (chamada de hiperplano), mas, do mesmo modo como Eck não pode ver a forma de seu plano, por estar preso nele, nós não podemos ver a forma de nosso espaço 3D. Ele parece encher todos os lugares que existem, mas os seres 2D pensam a mesma coisa de seu plano, enquanto nós vemos que é achatado e que há mais espaço fora dele, para cada lado, na terceira dimensão. Por essa razão, não devemos confiar apenas no que vemos, nem pensar que temos acesso ao todo, porque pode haver mais espaço fora do Universo, numa quarta dimensão, para cada lado dele. Os raios de luz, que nos permitem ver, não podem nos ajudar, porque também estão presos no nosso espaço 3D e por isso não trazem informações de fora dele, para que as possamos enxergar.

Para conhecermos a forma de nosso espaço 3D podemos testar a soma dos ângulos internos de um grande triângulo, mas, como não temos tecnologia para viajar por longas distâncias, vamos ter de adiar essa aventura. Os pequenos triângulos que podemos medir somam 180 graus naqueles ângulos, mas é possível que apareça alguma diferença nos grandes, indicando uma deformação geral no Universo que o diferencie de um hiperplano. Se ela for constatada, teremos de admitir que o nosso espaço 3D é apenas parte do todo, já que ele pode ser empenado em direções às quais não temos acesso, da mesma maneira que o plano de Eck pode ser torcido para assumir formas variadas. Por ora, vai ficar mais fácil e mais barato se realizarmos somente experiências em pensamento, utilizando analogias que nos ajudem a entender como seriam as coisas em um mundo de quatro dimensões.

Para começar, vamos levar mais adiante aquela idéia das rotações, mostrada na figura 6.2. Num espaço 1D, não podemos fazer rotações de dois segmentos de reta em torno de um ponto extremo comum. Quando passamos ao espaço 2D elas são possíveis, mas não podemos fazer rotações de dois quadrados em torno de uma aresta comum. Quando passamos ao espaço 3D, isto é possível, mas não podemos fazer rotações de dois cubos em torno de uma face comum. Continuando a seqüência, subindo a escada das dimensões, o próximo degrau nos garante que, num espaço 4D, dois cubos colados por uma face comum podem ser girados sem esforço algum, mesmo que não consigamos imaginar isso. Por incrível que pareça, esse tipo de rotação que nunca vimos garante a integridade física dos cubos. Eles não se deformam e continuam colados pela mesma face, mas, depois desse movimento, eles passam a ter um ângulo estranho que impede a colocação de ambos de volta em nosso espaço 3D, ao mesmo tempo e por inteiro. Se não entendeu, pense nos dois quadrados presos pela aresta comum, que não podem ser rodados no plano. Quando levados ao espaço 3D, os quadrados giram em torno daquela aresta, mas, se formarem um ângulo, não poderão mais voltar ao plano. Ao tentarmos colocar um dos quadrados inteiramente no plano, o outro ficará todo fora dele, com exceção da aresta comum. Percebeu a analogia?

Se você quiser treinar um pouco mais, imagine esses dois quadrados colados pela aresta comum e formando um ângulo fixo de 90 graus no espaço 3D. Prenda a aresta comum no plano de Eck e gire o conjunto em torno dela por uma volta completa, mantendo aquele ângulo sempre reto. Os dois quadrados nunca estarão ao mesmo tempo no plano, mas, de vez em quando, um ou outro poderá estar. Para Eck, os quadrados surgirão e desaparecerão em instantes diferentes e serão vistos de um lado ou de outro da aresta comum sempre presente. Um mesmo quadrado se mostrará invertido quando mudar de lado. Isto será notado se os quadrados forem transparentes e tiverem, em sua área interna, objetos sem eixos de simetria (como as letras R e F). No caso da figura 6.3, Eck vê a seguinte seqüência periódica de eventos: um F à direita, um R à esquerda, um F invertido à esquerda, um R invertido à direita. Se você conseguiu entender, pense então em dois cubos maciços de vidro, presos por uma face comum e levados à quarta dimensão para formar um ângulo de 90 graus entre si. Aquela face comum (um quadrado) fica presa em nosso espaço 3D e por isso vamos sempre vê-la. Mas, quando o conjunto dos dois cubos gira, mantendo seu ângulo sempre reto "lá fora", um ou outro cubo pode surgir de repente para nós, ora de um lado daquele quadrado, ora de outro, sumindo em seguida. Se os cubos tiverem objetos dentro, notaremos sua inversão, de um lado ou de outro da face comum que sempre vemos. Se um deles aparecer de um lado com um sapato para pé direito dentro, vai aparecer mais tarde no outro lado, com o mesmo sapato, mas para pé esquerdo, com sua marca em letras e desenhos invertidos. É coisa para deixar qualquer um muito confuso.

Um outro problema, analisado quando estudamos o universo plano de Eck, tinha como objetivo encontrar um conjunto de pontos de modo que cada um ficasse a uma mesma distância de todos os outros. A figura 6.4 projeta essa idéia para um espaço 4D. Como você deve se lembrar, partimos de um espaço 1D com dois pontos, A e B, e tentamos colocar um ponto C na reta para termos três segmentos iguais. Foi impossível. Quando desenhamos a reta AB num espaço 2D, apareceu uma solução para o ponto C, formando um triângulo equilátero. Então, partimos de um espaço 2D com três pontos, A, B e C, já arrumados, e tentamos colocar um ponto D no plano para termos seis segmentos iguais. Foi impossível. Quando desenhamos o triângulo equilátero ABC num espaço 3D, apareceu uma solução para o ponto D, formando um tetraedro regular. Para levar a mesma construção acima, na escada das dimensões, você vai ter agora que partir de um espaço 3D com quatro pontos, A, B, C e D, já arrumados, e tentar adicionar um ponto E para ficar com dez segmentos iguais. É impossível, mas, quando você desenhar o tetraedro regular ABCD num espaço 4D, vai aparecer uma solução para o ponto E, formando um hiperpoliedro.

Podemos antecipar que esse objeto novo que criamos é o mais simples dos seis politopos regulares do espaço 4D. Com um pouco de atenção à seqüência que seguimos, você vai poder deduzir suas caracteríscicas geométricas. O número de vértices é evidente: são os cinco pontos usados, A, B, C, D e E. O número de arestas também está claro no parágrafo anterior, pois elas são os dez segmentos de comprimentos iguais que usamos para ligar aqueles pontos. Um pouco mais difícil de ver é o número de faces triangulares, que são dez. Mas algo novo e belo aparece em todos os politopos do espaço 4D. É o que veremos agora.

Se os segmentos de reta têm vértices, se os polígonos têm vértices e arestas, se os poliedros têm vértices, arestas e faces, então os politopos 4D têm vértices, arestas, faces e células. Para saber o que é isso, basta ver que, quando subimos uma dimensão na escada, usamos o objeto de um degrau para construir o do degrau seguinte. Veja, por exemplo, que, quando você segue a seqüência ponto-reta-quadrado-cubo-hipercubo, você está usando dois pontos para fazer um segmento de reta, quatro segmentos de reta para fazer um quadrado e seis quadrados para fazer um cubo. Então, pela lógica, você vai precisar de oito cubos para fazer um hipercubo. Percebeu? As células dos politopos 4D são os nossos poliedros comuns do espaço 3D.

Naquela seqüência ponto-reta-triângulo-tetraedro, do exercício, usamos dois pontos para fazer um segmento de reta, três segmentos de reta para fazer um triângulo equilátero e quatro triângulos equiláteros para fazer um tetraedro regular. Assim, o próximo objeto da série, o politopo regular 4D mais simples, será formado por cinco tetraedros regulares.

Com isso fica claro que os hiperpoliedros são obtidos pela união de poliedros, que são colados pelas suas faces e dobrados em torno delas para cercar uma região do espaço 4D. Já teríamos percebido isso antes se notássemos que os nossos poliedros são obtidos pela união de polígonos, que são colados pelas suas arestas e dobrados em torno delas para cercar uma região do espaço 3D.

Sei que este assunto pode ser coisa nova para você e dar a impressão de não ter relação com a Astronomia, mas o que coloquei aqui são exercícios importantes para o treinamento de sua visão 4D. Sem ela você não conseguirá entender o Big Bang. Portanto, prepare-se bem, porque vamos seguir adiante.

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